A modernidade exige da sociedade o culto ao corpo através de dietas, cirurgias plásticas e musculação, tudo para se ter um corpo perfeito, conforme as tendências de beleza impostas pela sociedade e pela mídia.
Mas também existem outras formas que podem ser consideradas tendências de modificação estética e focaliza outra intenção: o de pessoas que recriam o corpo através da arte, como é o caso do body modifications, que são procedimentos que deixam marcas corporais, tais como: Tatuagens, Piercings, Branding, Escarificação e Tong Split. Para quem não conhece essas técnicas, veja abaixo um esclarecimento de cada um.
Tatuagem: é uma marca ou desenho permanente feito no corpo quando se insere pigmento na camada dérmica da pele por meio de rupturas na camada superficial. As tatuagens modernas são aplicadas usando-se uma máquina de tatuagem elétrica com agulhas que perfuram a pele rapidamente com movimento para cima e para baixo, não muito diferente do movimento de uma máquina de costura.
Piercing: É uma forma de modificar o corpo humano, normalmente furando-o a fim de introduzir peças de metal esterilizado.
Branding: O Branding é considerado um trabalho de marca. Na pele é usado um material quente que deixa a marca no corpo.
Escarificação: É a arte de formar desenhos no corpo de uma pessoa através de cicatrizes que podem ser criadas das mais diversas formas.
Tong Split: É um procedimento cirúrgico que divide a língua em duas partes, com aparência de língua de cobra. Depois de certo tempo, a pessoa conseguirá mexer cada parte da língua individualmente.
A fim de aprofundar meu entendimento no assunto, estive na tarde da última terça-feira (21/10) na “Natural, Tatoo Estúdio – Tatuagem e Piercing”, que fica localizada na Galeria Malcon, no centro de Porto Alegre. Conversei com Thiago Bittencourt, 30 anos, que trabalha no local há cinco anos, e como tatuador há 16 anos. Thiago conta que seu interesse na área surgiu devido à sua convivência com pessoas do ramo. Ele aprendeu a tatuar somente olhando como os seus amigos faziam, até porque na época em que começou, ainda não existiam cursos para tatuadores.
Na área técnica, ele explica que a tatuagem é permanente, então se uma pessoa pretende fazer, tem que estar consciente que aquela imagem ficará para sempre. Também é necessário que as pessoas fiquem atentas aos cuidados pós-procedimento. É obrigatório usar um plástico para proteger a tatuagem durante dois ou três dias, para não pegar sujeira no local, também se deve usar uma pomada cicatrizante e evitar a exposição ao sol.
Com o tempo, essa exposição sem o uso de um filtro solar, pode clarear a imagem. A cicatrização leva em torno de 15 a 30 dias. Thiago ainda destaca alguns perigos que podem surgir. “Na tatuagem, que é utilizado agulhas, há o risco de contaminação de doenças como HIV, Hepatite e outras menos graves, como as micoses. Por isso o profissional tem que ser confiável e usar material descartável” relata o tatuador.
Quando a pessoa se arrepende e quer apagar a tatuagem, há uma técnica a laser para a remoção da imagem na pele.
O verão é a época do ano em que as pessoas mais procuram colocar piercings e fazer tatuagens. E a faixa etária das pessoas que procuram esses serviços varia muito, “Já atendi pessoas de 12 a 70 anos”, conta Thiago.
Outra curiosidade bacana que o tatuador falou, foi sobre os lugares mais inusitados que algumas pessoas colocam piercings, como por exemplo, nas genitais. A procura de piercings nesses locais não é tão comum como os piercings no nariz ou outras partes do corpo, mas ocorre em números relevantes.
O tatuador acredita que ter uma tatuagem pode ser uma característica de personalidade de cada pessoa, mas também pode ser vista com a falta dela. “Existem pessoas que fazem tatuagens ou colocam piercings, pelo simples fato de gostarem, mas também existem aquelas pessoas que fazem somente porque viram na novela das oito a atriz usando ou porque virou moda”. Ele acha que ainda existe preconceito por parte da sociedade em relação às pessoas que usam esse tipo de arte no corpo, tanto tatuagem como piecings etc. Thiago ainda relata que já perdeu uma namorada porque ela achava que Thiago era um drogado pelo fato de ser tatuado e usar piercing. Conforme o tatuador, esse fato se deve por que antigamente, somente pessoas marginalizadas costumavam usar tatuagens e piercings, mas hoje em dia, todo mundo usa.
Também conversei com o Boby Piercing, Itamar Soares, que se dedica ao Boby Piercing, implante, a escarificação e ao Branding. Esse trabalho é um pouco diferente. Na escarificação, a técnica é feita com um bisturi, o instrumento corta a pele em formas de desenhos. Outro método diferente de arte na pele é o Branding, que se caracteriza pelo aquecimento de pequenas placas de metal com um maçarico são postas sobre a pele para deixar marcado. Conforme Itamar, a procura é relevante para a escarificação e o Branding.
A prática de Escarificação e Branding ainda não uma atividade conhecida no meio da medicina, e muitas pessoas acreditam que pode ser um ato perigoso. Para o presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgiões Plásticos do Rio Grande do Sul, Ricardo Arnt, o cirurgião mostrou-se surpreso quando soube desses métodos. O médico se diz estarrecido em saber que pessoas pagam para ser cortadas ou queimadas com a finalidade decorativa. “Minha opinião pessoal é de que não pode ser verdade, só pode se tratar de um trote, tamanho o absurdo da coisa!”, relata Ricardo.
A estudante Camila da Costa Weedy, de 24 anos, fez uma escarificação no final do ano passado. “Fiz uma borboleta nas costas e não me arrependo. Acredito que todos somos livres para fazermos o que quisermos. Acho a escarificação uma arte diferente, e eu gostei muito do resultado”, argumentou a estudante. Camila contou também que seus pais ficaram chocados quando descobriram que ela tinha feito, mas hoje em dia aceitam.
Foto:Boby Piercing, Itamar Soares fazendo implante de piercing
Leia na íntegra uma entrevista com a Psicopedagoga Patrícia Schultz sobre o Body Modifications e os jovens.
FABIANA - Como você vê a prática do Body Modifications de modo geral? Pode ser considerada uma forma de tendência e moda, ou ela pode ser vista como mutilação ou violência corporal?
PATRICIA - Como podemos observar, essa prática é bem mais comum, diria quase exclusivamente praticada por adolescentes, pois a adolescência é uma fase de transições, de encontros, de modificações comportamentais e de lutos, principalmente o luto da perda do corpo infantil. Este luto pode levar sim a prática destas técnicas de modificações corporais para fazer parte do mundo adulto, para ordenar uma nova regra ao corpo infantil que seria, " bom agora as mudanças realmente começam a acontecer" ou " posso tomar essa decisão sozinho, é o meu corpo ", isso acompanhando também os esteriótipos de beleza e modernidade que a sociedade atualmente dita.
Existe também o fator emocional, onde essa prática pode sim significar uma autopunição, um desejo de chamar a atenção para si, desenhando símbolos ou até mesmo frases explícitas do sentimento e do desejo latente. Essas práticas também podem significar um sofrimento psicológico seja ele claro ou sintomatizado na mudança física, um pedido de socorro, por exemplo, ou até mesmo medos, traumas e confusão de identidade.
Observamos ainda atualmente alguns adultos que não conseguiram superar problemas, dificuldades e a própria adolescência, então aderem a esta prática, não que isto seja uma regra, porém podemos observar que aqueles adultos que não vivenciaram a fase do adolescer plenamente de forma digamos proveitosa, praticam o body modification. Sua intenção de resgatar a juventude perdida ou "mau" vivida, demonstrando assim conflito e dificuldade em ingressar na maturidade. Pois desta forma podem "fugir" daqui. Logo cabe às exigências e ao comportamento esperado de um adulto, assim como ocorre na adolescência que os erros, falhas, e confusões são "perdoados" por estarem em uma fase de transição. Para finalizar também não podemos esquecer que as body modifications são modismos e também podem ser encarados como fator simplesmente de embelezamento, como ornamentação sem fatores psicológicos envolvidos, apenas como quem compra uma calça jeans ou um tênis da moda.
FABIANA - Na sua opinião, qual o principal motivo, pelo qual os jovens procuram fazer Body Modifications?
PATRICIA - Acredito que hoje em dia, a maioria dos jovens aderem ao Body Modifications para ficarem na moda, para acompanhar as tendências e fazer parte do grupo de amigos mais populares, descolados e assim também, passarem suas mensagens pessoais de quem se é ou do que se deseja através destas práticas.
Acredito que existam sim, problemáticas psíquicas nesta prática, porém também a vejo como fator de modernidade da constante mudança comportamental da sociedade, de inclusão, de beleza e de atualização.
FABIANA - Você acredita que as pessoas que realizam esses tipos de técnicas como Escarificação e Branding podem estar sofrendo de algum problema emocional?
PATRICIA - Acredito que sim, problemáticas emocionais podem existir e serem sintomatizadas em qualquer pano de fundo, tema e prática. Podemos observar que, um simples piercing, ou uma tatuagem de florzinha por exemplo para as meninas é uma questão de beleza, guerreiro, uma espada para os homens pode ser sinal de força máscula, de auto afirmação como indivíduo do sexo masculino.Porém quando essas tatuagens passam a fazer parte da personalidade, tomar conta do corpo desde indivíduo, assim como piercings e as colocações de silicone sob a pele para transformar esta pessoa em um personagens, pode também significar fuga da realidade, o desejo de se transformar em outro para fugir daquilo que lhe causa sofrimento, bem como o sentimento da dor com a marcação da pele pelo fogo , desejo de expor talvez uma cicatriz que nunca tenha sido vista ou curada.
FABIANA - Uma opinião pessoal para quem pretende fazer body modifications?
PATRICIA - Para quem deseja fazer uso destas técnicas, pense somente que o intuito é satisfazer um fetiche, uma vontade, uma questão estética, que estas práticas não podem fazer o trabalho de profissionais como psicólogos, não vai suprir necessidades internas, muito embora pareçam que sim, nem resolver problemas internos ou de ordem afetiva. São apenas sinais e materiais inanimados que se carrega junto ao corpo como uma bolsa bonita ou um tênis caro. É muito bonito sim, fica moderno, mas pense sempre no real objetivo pelo qual está realizando estas modificações no seu corpo. Esteja ciente de que nada elas podem fazer aos olhos de outras pessoas, podem apenas ser um recurso de beleza ou algo ousado para alguns indivíduos mais tradicionalistas.